"Era uma criança, pertencente a uma família muito grande, moradores de uma grande fazenda.
Tinha uns cinco anos de idade, era muito, muito pequenininha. Seu pai era seu maior herói.
Todas as tardes, pouco antes do sol se pôr, ficava a esperar por ele, debruçada na janela da sala de jantar,
sobre uma cadeira, pois assim veria melhor.
Avistava-o se aproximando atrás dos pomares,
não se aguentava de ansiedade, pulava e corria até a porta, e com as perninhas curtas e não muito firmes,
corria uma pequena extensão do gramado, apenas o suficiente para conseguir lançar-se nos braços de seu pai.
Este a girava no ar, rodopiava e a enchia de cócegas.
Entravam em casa e ela assisti-o tirar o casaco, tomar café e ler jornal com completa fascinação.
Cansado do dia de trabalho, exausto, esticava-se no sofá velho e assistia qualquer coisa sobre política na televisão.
A menina, com agilidade, escalava-lhe as pernas e como uma gatinha manhosa, ajustava-se em seu colo.
Estava segura. Nada podia lhe atingir, nem monstros, nem bichos nem mesmo dragões. Seu herói estava ali.
Com o tempo sua respiração ia se tronando tão mansa e suave que pegava no sono. Talvez fosse isso que mais queria, cair no sono.
Só pela satisfação de ser carregada carinhosamente escadas acima, posta em sua caminha quente,
ser coberta e sentir os lábios do pai beija-lhe a testa como sinal de proteção e amor. Uma singela noite de bons sonhos."
"Uma mulher, de boa aparência, sabia conversar, muitos a admiravam. Tinha um bom trabalho, no qual era bem capacitada e sucedida.
Acordava, tomava banho, se arrumava, escovava os dentes, já fazia tudo no automático.
Sentava-se a mesa de seu belo apartamento, olhava ao redor. Estava sozinha.
Tomava uma xícara de café, já não sentia mais o gosto. A cabeça vazia, não sabia dizer o que pensava, se é que pensava.
Mais um dia de trabalho, tudo igual. Sorriso no rosto, roupa impecável, pessoas satisfeitas.
Consegue chegar antes das seis horas.
Já se dirigia para o escritório que tinha em casa, mas algo através das venezianas chamou sua atenção.
Umas luz forte e alaranjada penetrava as pequenas frestas. Aproximou-se e ao abrir, contemplou o por do sol.
Slides da infância remota encheram sua cabeça. Faz tanto tempo. Como foi que cheguei aqui?
Não consigo me lembrar como foi ontem. Parece que sempre existiu apenas o hoje, o que foi que eu vivi? Eu vivi?
Será que não sou como apenas uma máquina no piloto automático? Como era mesmo o sabor do café?
Amanha sentirei alguma coisa? É possível escapar desta teia de falta de sentido? Lágrimas umedeceram seus olhos,
tentando afastar os pensamentos, deita-se no luxuoso sofá. Até então não tinha percebido o quanto estava cansada.
Fechou os olhos, pode ver o quanto tinha medo, o quanto estava sozinha. Tantos as admiravam, mas o que se tinha a admirar?
Sua beleza? Acabaria. Sua carreira? Como desenvolvia bem o seu trabalho? Grande coisa!
É semelhante a admirar um computador por realizar bem o que foi programado a fazer.
Sentia-se só. Seu sono não descansava-a mais, pois tinha medo.
Temia que o amanha fosse igual o hoje e o hoje fosse igual a nada.
Irônico quantas coisas passamos a enxergar quando fechamos os olhos. Uma lágrima.
Papai, onde você está? Sinto saudade do seu colo, de admirar a sua grandeza,
da segurança que está em seus braços,
do seu olhar de carinho, de ser carregada quando acabarem minhas forças. Papai, fiz algo de errado?
Me perdoa, eu quero voltar a ser como uma criança, frágil que anseia o seu retorno.
Papai, o café só tem sabor na sua companhia, as manhãs só valer a pena ser vividas se eu puder,
com meus pés cambaleantes de sono, te dar um beijo de bom dia.
As tardes só valem a pena ser vividas se houver esperança da sua volta,
e nas noites, só há descanso quando posso repousar na proteção do seu abraço."
"Sabe Senhor, eu sei o quanto respondes as orações, o quanto és invariavelmente fiel,
e sempre cumpres o que fala.
Quando meu tempo é escasso e grande meu cansaço , na contra mão do que esperaria racionalmente,
quando separo um tempo para conversarmos, ao invés de mais cansada, encontro paz. Sei que é a sua fidelidade se mostrando em minha vida. Quando oro pedindo para que me abra os olhos, eu no meu coração acho que o Senhor não vai me ouvir, por eu não merecer,
o Senhor me mostra o que é graça e me faz enxergar coisas maravilhosas de forma límpida, simples e perfeita.
Ah Senhor, perdoa minha mania de tentar encaixá-lo nos parâmetros da minha racionalidade, pois a sua infinitude nunca caberá na minha concepção tão limitada.
Me ajude a entender o que significa seu perdão e teu amor, pois percebo que o peso da culpa e da vergonha que afastam minha vida de ter um relacionamento genuíno contigo. Mostre-me a sua soberania pai, me atraindo de forma irresistível, de forma que eu prefira seu abraço mais até do que aquelas coisas que o Senhor sabe que eu desejo com cada pedaço de mim.
Ah Pai, me envolva no calor do teu abraço e não me solte mais."
"E então a garotinha, que há dias havia se perdido na imensidão dos cafezais que circundavam a fazenda do pai,
ouviu o som de cavalos, fraca e com medo demais para mover-se, fitou assustada o lado do qual o som se aproximava.
Seu coraçãozinho então acelerou. Seu pai a ouvira, e veio a socorrê-la,
em seus olhos, certa repreensão, mas logo transformou-se em perdão e misericórdia,
veio a seu encontro com braços abertos.
Aquele abraço. Proteção, segurança. abrigo, seu lar, a quem pertence..."
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